Texto por Felipa Queiroz
O que Nicholas elabora através de sua pintura é o que sua atenção perspicaz capta do mundo das imagens: toda uma constelação de narrativas e rituais. Sei que essa mesma atenção circula entre os filmes, os videogames, os quadrinhos independentes e seus personagens, e claro, toda a história da pintura a qual ele observa atentamente através de livros antigos e amarelados.
Seus trabalhos quase contam fragmentos de histórias, como rastros de alguma cena, mas tudo isso serve à perplexidade própria da pintura; Nicholas está muito atento ao fato de que ele mesmo se colocou como um pintor, e mais! um pintor no mundo contemporâneo. Não haveria alternativa senão ser, e ele é, um estudioso da tradição e da prática da pintura.
Existe um trocadilho ideológico no trabalho de Nicholas, marcado por vivências de diferença. Pode parecer que o artista está produzindo, quem sabe, a partir de sua transmasculinidade, ou de sua criação judaica, mas, para mim, essas introjeções identitárias, mesmo que pertinentes, servem apenas como uma isca, um subterfúgio contra a desatenção, para que quem vê, se vê obrigado a olhar e olhando, se sabe que se trata de uma pintura excelente. O verdadeiro trocadilho está na verdade na capacidade do artista de sublimar dicotomias: desenho e pintura, linha ou forma. Não por acaso o tema do conflito surge na prática; Nicholas propõe nessa residência um exercício de desenho livre de uma luta de boxe ao vivo, cujo resultado, tenho certeza, vai assombrar no limite da abstração e figuração, como bem repara o artista nas pinturas de Francis Bacon.
Independente do que virtualmente habita nas telas, dos personagens amontoados em colagens que Nicholas acaba sumonando em seus trabalhos, percebe-se que existe um saber-fazer no jeito em que a tinta, em suas diversas densidades, cobre e se espalha no pano cru. O tecido fino grampeado com muita pressa (ele quer pintar logo!) trata a tinta com mais calma do que o algodão tratado, a cor se espalha e às vezes quase some, obrigando o artista a operar quase que como se estivesse fazendo veladuras, uma trabalheira alegre que faz com que novos problemas sejam solucionados, tornando a pintura um exercício de vai e vem cromático e de volumes, até que algo meio que “acorda” e o trabalho parece estar pronto.
Todo esse esforço resulta no que devemos chamar de uma pintura inteligente, mas é assim que eu prefiro enxergar o Nicholas e tudo que ele cria: trata-se de um artista apaixonado.